Rio de Janeiro, 09 de setembro de 2021.
Ao Excelentíssimo Senhor
Daniel Soranz
Secretário de Saúde do Município do Rio de Janeiro
Assunto: GRAVE SITUAÇÃO DE MORTALIDADE MATERNA NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, EM ESPECIAL ENTRE MULHERES NEGRAS.
Os grupos, coletivos, movimentos e organizações que abaixo assinam vem por meio desta carta pautar a GRAVE SITUAÇÃO DE MORTALIDADE MATERNA NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, EM ESPECIAL ENTRE MULHERES NEGRAS, acentuada pelo cenário de gravidade sanitária e de saúde durante 2020 impondo quadro ainda mais alarmante durante o corrente ano de 2021. As assinantes também apresentam requerimento urgente ao final deste documento frente a este cenário que não pode aguardar.
Considerando o grave cenário de mortalidade materna que atinge especialmente a vida de mulheres negras e pessoas negras que gestam no contexto recente de 2020 e 2021, evidenciando que as determinantes de raça e gênero continuam sendo preocupantes motoras de iniquidades, desigualdades e mortes - destacamos as seguintes situações expressas em dados do SIM/SISMAT:
Os óbitos maternos em 2020 foram totalizados em 83, segundo última atualização em 09/04/2021, sendo 38 mortes por COVID-19 e 45 mortes por outras causas. Da preocupante marca de 83 óbitos, 53 foram de mulheres negras (18 mulheres pretas, 35 mulheres pardas), enquanto 30 mortes foram de mulheres brancas.
Destaca-se o perfil da mortalidade materna por COVID-19 em 2020 - foram 38 óbitos por mortalidade materna; a maioria das mulheres mortas tinham entre 19 e 41 anos, em especial de 30 a 39 anos (65,8%); 55,3% eram mulheres negras; 81,6% dos óbitos ocorreram no puerpério e 18,6% durante a gestação; 57,9% das mortes ocorreram em Hospitais Municipais, 28,9% em hospitais particulares, 7,9% das mortes ocorreram em hospitais estaduais e 5,3% em hospitais federais.
Em 2021, até 16/07/2021, o número de óbitos totalizava 80, quase alcançando o total de 2020. Das 80 mortes, 47 foram por COVID-19, enquanto 33 mortes foram por outras causas. Sendo que das 80 mulheres mortas, 56 eram mulheres negras (17 mulheres pretas, 39 mulheres pardas) e 24 óbitos eram de mulheres brancas.
Durante o ano de 2020, a Razão de Mortalidade Materna (RMM) foi recorde dos últimos 14 anos, alcançando 114.2 no ano passado. Destacando-se a RMM de 193.2 na Área de Planejamento 5.3 (A.P. 5.3), composta por Santa Cruz, Paciência e Sepetiba. 2020 só perde para 2021 que ainda nem terminou e até dia 16/07/2021, a RMM no município já atingia 229.0, chegando à 331.0 na A.P. 5.3.
Além disso, ainda há forte incerteza se as pessoas gestantes estão sendo cobertas pela vacinação contra a COVID-19, como previsto no plano de vacinação. Ademais, em razão das iniquidades de saúde baseadas nas determinantes de raça e gênero, requisitamos que a secretaria disponibilize os dados relativos à cobertura vacinal para gestantes com a desagregação racial, isto é, com evidenciação da variável raça/cor.
Considerando que tal quadro preocupante não se iniciou apenas na conjuntura dos últimos dois anos, recuperamos que movimentos, grupos, organizações e o Comitê Municipal de Prevenção e Controle da Mortalidade Materna e Infantil da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro vêm atuando para enfrentar esta grave violação de direitos, em especial através da incidência pelas medidas estabelecidas no Plano de Intervenção para a Redução da Morbimortaldiade Materna no Município (2016 e 2017), contudo não implementadas até o atual momento, mesmo diante da grave situação narrada acima;
Considerando o estabelecido nas leis e tratados como: a Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres - CEDAW e suas Recomendações N. 28 e 35; a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial; a Convenção para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra as Mulheres ( Convenção de Belém do Pará);
Considerando a decisão do Comitê da CEDAW que, em 2011, reconheceu a responsabilidade do Estado brasileiro pela ocorrência de morte materna, considerada como discriminações de gênero, de raça e etnia e condição social, praticadas contra uma jovem mulher negra, definindo a obrigação do Estado de garantir o direito à maternidade segura por meio de um sistema de saúde de qualidade acessível a todas as mulheres, reduzir as mortes maternas através de um conjunto de medidas, dentre elas a formação adequada para os profissionais da saúde e a fiscalização do funcionamento das unidades de saúde;
Considerando que o sistema de saúde dos municípios do Rio de Janeiro ainda está devedor do disposto na sentença do CEDAW não se observando as alterações necessárias para garantir às mulheres e pessoas que gestam uma gestação segura, o que potencializa a ocorrência de novos óbitos maternos por causas evitáveis;
Considerando a fragilização dos serviços de saúde desinvestidos, com ausência de recursos humanos mobilizados, e fragilidade dos atendimentos em maternidades e diminuição dos recursos voltados à saúde da mulher no orçamento;
Considerando a urgente necessidade de criação de espaços, instrumentos e medidas para enfrentamento à crescente mortalidade materna no município, com ampla participação democrática, popular de movimentos e da sociedade civil organizada, bem como de controle social para a redução e erradicação da Mortalidade Materna;
Considerando o “Fórum de Compromisso pela Redução da Mortalidade Materna na Cidade do Rio de Janeiro” realizado em 28 de maio de 2015, com a presença do secretário de Saúde, gestores da SMS, coordenadores de áreas e diretores de maternidade, que assinaram em livro de registro o seu compromisso com a redução da morte materna;
Considerando o documento de submetas para implantação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra na SMS, elaborado pelo Comitê Técnico de Saúde da População Negra em outubro de 2011, a pedido do secretário municipal de Saúde, que entretanto nunca foi implantado, onde consta como uma das submetas a Redução da Mortalidade Materna de Mulheres Negras, a ser definida uma taxa específica de redução para mulheres pretas e pardas;
Os grupos que abaixo assinam requisitam urgente agendamento de reunião, com vossa excelência, Senhor Daniel Soranz, Secretário de Saúde do Município do Rio de Janeiro, em corroboração ao pedido de reunião realizada pelo Comitê Municipal de Prevenção e Controle de Mortalidade Materna e infantil da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Aguardamos breve retorno positivo sobre este pedido.
É o que expõem e requisitam os grupos, coletivos, movimentos e organizações que abaixo assinam:
AMAC - Associação Mulheres de Atitude e Compromisso Social
Nill Santos
Articulação de Mulheres Brasileiras AMB RIO
Adriana Valle Mota
Articuladas
Lia Maria Manso Siqueira
Rachel Barros de Oliveira
tatiana Dahmer
Caces
Adriana Medeiros
CAMTRA
Eleutéria Amora da Silva
Casa Fluminense
Fabiana da Silva
CEPIA
Leila Linhares Barsted
Coletivo Beira Mar
Zélia Marques
Coletivo Guerreiras da Palhada
Thais Figueira de Souza/Coletivo Guerreiras da Palhada
Coletivo Negre-X
Rita Helena do Espírito Santo Borret
Monique Franca da Silva
Huila Luiza Santos da Fonseca
Comitê estadual de Prevenção e Controle de Morte Materna e Perinatal/RJ
Santinha Tavares
Comitê Técnico de Saúde da População Negra do município do Rio de Janeiro - Comissão Executiva
Comissão Executiva - grupo de organizadoras
Criola
Lia Maria Manso Siqueira
FASE - RJ
Rachel Barros de Oliveira
Feminicidade
Cássia Souza
Fórum Estadual das Mulheres Negras RJ
Clatia Vieira
Grupo de Mulheres Yeponda
Ana Lúcia Ferreira
Grupo de Trabalho Mulheres na Ciência da Universidade Federal Fluminense
Letícia de Oliveira
Ilê Axé Iyá Manjele’o
Tânia Cristina dos Santos Costa
Ilê Omolú e Oxum
Nilce Naira Nascimento
Instituto Búzios
Luciene Lacerda
Laboratório de Direitos Humanos da UFRJ (LADIH)
Luciana Boiteux
LBL - Liga Brasileira de Lesbicas
Virginia Figueiredo
Mandata quilombo da deputada Mônica Francisco (PSOL)
Deputada Mônica Francisco
Movimenta Caxias
Wesley Teixeira
Movimento Negro Unificado - Nova Iguaçu
Adriana Martins
Mulherio
Paula Land Curi
Núcleo de Estudos sobre Saúde e Etnia Negra/Universidade Federal Fluminense
Isabel Cruz
Programa Social Sim! Eu Sou do Meio
Débora do Espírito Santo da Silva
Rede Nacional de Religiões Afro Brasileiras e Saúde
Nilce Naira Nascimento
Rede Nacional de Religiões Afro Brasileiras e Saúde - Baixada Fluminense
Ana Lúcia Ferreira
Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos - Regional Rio de Janeiro
Juçara Portugal Santiago
REDEH - Rede de Desenvolvimento Humano
Liliane Brum Ribeiro
Roda das Mulheres Apadrinhe um Sorriso
Fabiana da Silva
Teia - Núcleo de Pesquisa e Extensão em Trabalho, Educação e Serviço Social - ESS - UFF
Tatiana Dahmer
URDIR/UERJ - Universidade, Resistência e Direitos Humanos (Núcleo multidisciplinar de ensino pesquisa e extensão/UERJ.