Nós, entidades da sociedade civil organizada, lideranças sociais e do movimento de mulheres negras, nos dirigimos às autoridades do município do Rio de Janeiro e Baixada Fluminense para lembrar que INVESTIR NA PRIMEIRA INFÂNCIA REPRESENTA AMPLIAR OS DIREITOS, A DEMOCRACIA, A JUSTIÇA E O BEM VIVER DE CRIANÇAS DE 0 A 6 ANOS DE IDADE, GARANTINDO IMPACTOS POSITIVOS PARA TODA A SOCIEDADE.
Este manifesto, organizado por Criola, compreende o racismo como uma violência de amplo impacto no pleno desenvolvimento de crianças negras. Por isso, em parceria com 11 organizações articuladas no projeto “Primeira Infância no Centro: garantindo o pleno desenvolvimento infantil a partir do enfrentamento ao racismo”, desenvolvida por Geledés – Instituto da Mulher Negras com apoio de Porticus Latin America, destacamos que:
NOSSAS crianças negras:
- São hoje o grupo com menos acesso a todos os direitos sociais básicos, tais como saúde, educação, habitação, saneamento básico, entre outros; apesar do Brasil possuir uma legislação avançada para a proteção dos direitos de crianças e adolescentes.
- Enfrentam, dos 0 aos 6 anos (Primeira Infância), as primeiras “provas” de sobrevivência e os mais variados obstáculos para se manterem saudáveis e construírem seus futuros.
- Quando recém nascidas enfrentam a qualidade inadequada da atenção hospitalar, expostas ao risco de efeitos adversos no nascimento. (Pesquisa “Nascer no Brasil”, MS/Fiocruz, 2014);
- Morrem mais no início da vida do que crianças não negras (37%). Em 2010, uma criança negra tinha 25% mais chances de morrer antes de completar um ano do que uma criança branca (UNICEF, 2010). Tinham, ainda, 60% mais chances do que uma criança branca de morrerem antes dos 5 anos por causas infecciosas e parasitárias, bem como risco 90% maior de desnutrição (UNICEF, 2010).
- Perderam a vida pela Covid-19 (1.400 mortes de 0 a 11 anos) ou tiveram sequelas graves como a Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (Instituto Butantã.2022/RNPI, 2022). Entre março de 2020 a abril de 2021, 57% das crianças mortas pela doença no Brasil eram negras, 21,5%, brancas, 16% não tiveram a raça indicada, 4,4%, indígenas e 0,9 %, amarelas (de origem asiática) (UFMG/Vital Strategies, 2022).
- Representam 45,1% do total de matriculas em creches no país, com desvantagem no acesso em relação às crianças brancas, 54,1%. (Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, 2020)
- Crianças e adolescentes de 4 a 17 anos autodeclaradas(os) pretas(os), pardas(os) e indígenas excluídos da escola somavam, em 2022, 781.577, correspondendo a 71,3% de crianças e adolescentes fora da escola. (UNICEF, 2022).
Da mesma forma, as mães ou responsáveis pelas crianças:
- São as que mais sofrem racismo institucional, o que torna o nascimento de seus filhos um evento repleto de sentimentos ambíguos - que vão da felicidade a memórias de dor, a violência e morte;
- São expostas desnecessariamente aos riscos de efeitos adversos no parto e nascimento de suas crianças, com a realização de um número excessivo de partos por cesariana. (Pesquisa “Nascer no Brasil”, MS/Fiocruz, 2014);
- São as maiores vítimas de violências. As violências física e a psicológica foram as formas de maior incidência na RMRJ. Quanto ao tipo de delito, foram 22.846 vítimas de lesão corporal dolosa e 1.802 vítimas de ameaça. (Dossiê Mulher - ISP, 2020);
- São mulheres chefes de família(40%) e fazem parte do grupo mais atingido pelo desemprego. A taxa de desemprego é maior entre as mulheres, dos 12 milhões de brasileiros desempregados, 6,5 milhões são mulheres. (Pnad/IBGE - 4º trimestre de 2021);
- Sentem-se inseguras e angustiadas com o nascimento de suas filhas e filhos pela dificuldade de manutenção de seus trabalhos (FGV);
- No Rio de Janeiro, no período 2018 a 2021, 106 adolescentes que passaram por unidades socioeducativas tinham 15 e 17 anos e possuíam filhos com idade entre os primeiros meses de vida e 4 anos, segundo estudo da DPRJ. Do total de casos analisados, entre as jovens com 17 anos completos (43%), a maior parte estava cursando o 6º ano do Ensino Fundamental, e era mãe de crianças com até 4 anos; (CDEDICA-DPRJ, 2022);
A escola pública também não tem sido um espaço acolhedor, seguro e capaz de potencializar talentos e cuidar das crianças negras. Vale lembrar que:
- Mais de 20% das crianças no Brasil estão em escolas sem saneamento e mais crianças negras estudam em áreas de maior vulnerabilidade do que crianças brancas;
- No país, faltam itens de saneamento básico nas creches onde estão matriculadas 27% das crianças negras e nas pré-escolas onde estão 34% delas. Entre as crianças brancas, esses percentuais são menores: 15% estão matriculadas em creches sem saneamento e 17% em pré-escolas sem esses serviços (EXAME, 2020);
- No RJ, 12.360 agendamentos foram realizados junto a Defensoria Pública de 2018 a maio de 2022, foram motivados por busca de vagas em creche (87,5% do total). A maior quantidade de solicitações eram de pessoas moradoras dos bairros da zona oeste, mulheres em maioria; (94% do total), negras (60,7%), solteiras (62,9%) e metade eram jovens entre 25 e 34 anos. (DPRJ, 2022)
POR ISSO, AFIRMAMOS: O DIREITO À CRECHE É FUNDAMENTAL!
É URGENTE a ampliação de vagas em creches públicas, com oferta de horário integral, para garantir desde a primeira infância, espaços adequados, seguros, estimulantes, sem violência e sem racismo como investimento público para o futuro das novas gerações no Rio de Janeiro!
Para assegurar que estes espaços de educação atendam à nossa demanda, reivindicamos:
- Interface direta com o enfrentamento ao racismo em toda e qualquer política voltada à Primeira Infância;
- Inclusão no Plano Municipal pela Primeira Infância (PMPI) das dimensões de raça e gênero;
- Inclusão da Primeira Infância como público prioritário das políticas públicas do município, estendendo à medida ao conjunto de legislação, planejamento, orçamento do Município do Rio de Janeiro;
- Maior investimento na produção de dados sobre esta faixa etária no que diz respeito às “infâncias retificadas”, às “crianças em situação de acolhimento institucional” e às “crianças gestadas durante a situação de privação de liberdade de suas mães”.
Rio de Janeiro, 07 de outubro de 2022.
Assinam esse manifesto:
- CRIOLA
- Patrícia Evangelista - ONG Associação Mulheres de Atitude
- Adriana dos Santos – Ativista
- Josina Maria da Cunha – Afrojô / Fórum de Mulheres Negras RJ
- Elizabeth Campos – Educadora Social e Coordenadora do Espaço Casa Viva - REDECCAP/Manguinhos
- Maria Noeli dos Santos - STDRJ, representante Internacional da Fenatrad como Secretaria de Defesa e Direitos humanos da Conlactraho
- Iya Lucia D’Oxum – Renafro/Baixada e Grupo Mulheres de Yepondá
- Sonia Lage Coletivo de Mulheres Negra GP- Grupo de Mulheres Negra Yepondá, Suplente CEDDH/RJ
- Estreliane Vidal Charles
- Ana Valéria da Silva Oliveira
- Camila Soares Coutinho
- Paulo ganga Crioula
- Carla Soares Coutinho
- Thaís Nascimento
- Azeneth Eufrausino Schuler
- Sandra Aparecida Gurgel Vergne - Coletivo Afroencantamento
- Vânia Rosa Da Silva Santos
- Sandra Domicia Gomes - Clã Negritude
- Antonia suzanne Azevedo de Macedo
- Daniele de Carvalho Grazinoli
- Leyla Silva
- Etel Hedwiges Silva de Oliveira
- Verônica Gomes Martins da Silva
- Débora Amorim - Nós em Movimento
- Marilza Barbosa Floriano - Rede de Mães e Familiares Vítimas de Violência de Estado da Baixada Fluminense
- Maria Alice Cavalcante Barbosa
- Osmarina do Socorro Gonçalves Ferreira
- Raphaella Morais Militante - Doula e educadora
- Virginia Figueiredo - LBL Liga Brasileira de Lésbicas
- IYÁ Katiuscia de Yemanjá - Coletivo de feminilidades As Padilhas do Ilê Axé Òbá Labi
- Lara Freire
- Marcia jacoud
- Amanda Rafaele Assis
- Sheila Magda Huguenin
- Mariza de Paula Assis - FFP/UERJ
- Rita de Cassia Machado
- Ana Paula Castro
- Aline Marques Gomes
- Maíra Rangel de Medina - Conselho Tutelar
- Wanda Caroline Prado Alves
- Patrícia Felix Projeto Liberdade
- Angela Fontes
- Valéria da Rocha Pedro - Assistente Social e Conselheira Tutelar no município do RJ
- Lysandra Martins Moura - Integrando Alegria UFF
- Ana Cristina da Costa Gomes - Algo muito melhor/ Lugar de menina negra é na escola/ Femnegras-RJ
- Marcele Cristina Da Silva Sampaio
- Marta de Oliveira